A renúncia pela morte, liquidando os inimigos
Há 54 anos, Getúlio Vargas, pela primeira vez presidente eleito do Brasil, se matava. Foi o golpe mais genial de toda a história, não só nossa mas do mundo inteiro. Getulio, apenas com um tiro, "deixou a vida para entrar na História", mas eliminava também, de forma irrecuperável, todos os inimigos ou adversários. A palavra que usei tem que ser repetida: GENIAL.
No Império e a partir da República, golpes e mais golpes. Apenas duas Revoluções verdadeiras, uma vitoriosa e outra derrotada. A vitoriosa, em 1889, quando houve uma ruptura das instituições, foi derrubado o Império e implantada (e não promulgada) a República. Mas a constituinte convocada e reunida 1 ano depois, em 15 de novembro de 1890, legítima, pois vinha de um poder originário legítimo.
A segunda Revolução, em 1935, um fracasso total, desorganizada, sem recursos, mas autêntica. Por quê? Simplesmente pretendia mudar o regime político e a representatividade popular ou direta. E tinha como objetivo econômico e financeiro a produção e distribuição da riqueza de forma inteiramente diferente, E-S-T-A-T-I-Z-A-D-A. Não chegou a marcar seu lugar, mas marcou o encadeamento das datas, golpes em cima de golpes. E essa Revolução chefiada por Prestes foi a grande motivação para Getulio Vargas criar o cruel e selvagem Estado Novo de 1937.
Na verdade, Vargas já estava no Poder desde 1930, um golpe como tantos outros, equivocadamente identificado como Revolução. Aos 43 anos, deputado inteiramente desconhecido, foi nomeado ministro da Fazenda pelo presidente Washington Luiz. Surpresa total. Em 1928, o mesmo Washington Luiz fazia de Vargas presidente do Rio Grande do Sul. Em 1930, depois de perder a eleição presidencial para Julio Prestes (de nenhum parentesco com o próprio), foi empossado como chefe do governo provisório. Num golpe no qual estava bem longe de ser a principal figura.
1930 provocou 1932, daí veio 1934, 1935, a frustração da "eleição indireta" de Vargas levaria a 1937. E daí a 1945 e a derrubada do ditador, que voltaria em 1950, armando tragicamente o 1954, que iria preparar outro golpe, este de 1964. Essa é a história encadeada de golpes e mais golpes. (Bem contados, mais de 40 golpes).
Depois de ter ficado 15 anos no Poder, sem eleição, governando ditatorialmente, Vargas não devia ter voltado em 1950/51. Não sabia governar democraticamente, foi cometendo erros colossais. Para tomar posse, eliminando a oposição de Lacerda-Golbery (então amicíssimos e tão golpistas quanto o próprio Vargas), teve que recorrer ao general Stilac Leal. (Como disse ontem).
Presidente do Clube Militar, feito ministro da Guerra, Stilac garantiu Vargas. Mas este cometeu muitos erros, equívocos colossais, foi se enfraquecendo visivelmente. Quando 69 coronéis publicaram um manifesto exigindo a saída do seu ministro do Trabalho e Vargas concordou, começou a assinar sua sentença de morte. Esse ministro se chamava João Goulart, nem ele nem Vargas podiam aceitar a intimidação. Mas aceitaram. (Isso no final de 1952).
Todo o ano de 1953/54 foi de conspiração de lado a lado, o que se repetiria 10 anos depois em 1963/64. Este golpe foi lastreado, plantado e consolidado pelo de 1954. Só que 1964 não teve um mínimo da grandeza de Vargas em 1954. Entre 1954 e 1964, houve a tentativa de não dar posse a Juscelino em 11 de novembro de 1955 e a renúncia de Janio em 1961. A trajetória de João Goulart também alicerçou a ambição militar.
De 1930 a 1945, Vargas foi fortíssimo. Muitos tentaram derrubá-lo, resistiu a tudo, venceu sempre. Mas em 1954, já com 71 anos (naquela época nada a ver com a longevidade de hoje), não teve ânimo nem capacidade para resistir.
Mas o surpreendente é que exatamente na manhã de ontem, há 54 anos, Vargas tivesse a percepção do que poderia escrever na história com um simples tiro no coração. Todo o seu passado de ditador convicto, inclemente, e sem respeitar ninguém, foi apagado para sempre, ficou apenas a trajetória de um tiro, que ainda pode ser ouvido até hoje. O estrondo de 54 anos passados mudou tudo, inclusive a história do Brasil.
Vargas foi um ditador nato, convicto e que só tinha uma admiração e uma obstinação: o Poder. E quando resolveu deixá-lo, com a renúncia indiscutível que é a saída pela porta da morte, inscreveu seu nome difinitivamente entre os personagens inesquecíveis. O que é uma constatação e não exaltação.
PS - Retificação desnecessária, mas obrigatória. Ontem saiu aqui que Vargas se elegeu pela primeira vez em 1945. Lógico, todos sabem que foi em 1950. Descuido?
PS 2 - O que me espanta é que alguns que se dizem democratas, se admitem democratas, se finjam de democratas, exaltem um ditador cruel. Ficou 15 anos no Poder sem eleição, tinha que fazer alguma coisa. Mas foi fazer quase 20 anos depois do México e de outros países. Até Mussolini deu mais direitos aos trabalhadores e muito antes de Vargas.