Os militares e o segundo governo Vargas (Celso Castrto)
Entre 31 de janeiro de 1951, quando Getúlio Vargas assumiu o governo, e 24 de agosto de 1954, quando se suicidou, a área militar foi marcada por disputas políticas e divergências ideológicas entre duas principais tendências: uma autodenominada "nacionalista" (e acusada de ser esquerdista pelos adversários) e outra "democrática" (acusada de ser "entreguista" pelo lado contrário). Vargas alternou o apoio a uma e outra tendência, num jogo arriscado que levou à perda de apoio do governo na área militar.
O clima de dissensão esteve presente já na indicação do general Estillac Leal, um expoente da ala "nacionalista", para ministro da Guerra, que foi mal recebida por círculos militares mais conservadores.
A ala "nacionalista" defendeu a neutralidade brasileira na Guerra da Coréia (1950-1953), a campanha pela criação da Petrobras e o monopólio estatal do petróleo.
Por seu lado, a tendência autodenominada "democrática" defendia o alinhamento com os Estados Unidos na Guerra da Coréia e a participação de grupos privados na exploração do petróleo, e criticava duramente a "infiltração comunista" nas Forças Armadas.
Alguns generais dessa tendência fizeram críticas públicas ao governo, como os generais Euclides Zenóbio da Costa, veterano da FEB e comandante da Zona Militar Leste e da 1ª Região Militar, e Canrobert Pereira da Costa.
Um golpe na ala nacionalista foi dado quando o general Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, conseguiu articular, juntamente como o ministro do Exterior, João Neves da Fontoura, o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, assinado em março de 1952.
Nesse mesmo mês, os generais Zenóbio e Estillac foram exonerados de suas funções, e o general Ciro do Espírito Santo Cardoso assumiu o Ministério da Guerra.
Um enfrentamento direto entre as duas tendências ocorreu logo em seguida com as eleições para o Clube Militar.
Estillac Leal lançou-se candidato à presidência do clube, numa chapa que se chamou de "nacionalista", por oposição aos militares de orientação "entreguista".
Concorrendo com ela estava a chapa da "Cruzada Democrática", organizada pelo general Cordeiro de Farias e encabeçada pelos generais Alcides Etchegoyen e Nélson de Melo, defendendo a bandeira do "nacionalismo sadio".
A Cruzada Democrática foi eleita com 65% dos votos.
Em fevereiro de 1954 foi tornado público um documento que ficou conhecido como Manifesto dos Coronéis, assinado por 81 oficiais superiores do Exército, muitos deles ligados à Cruzada Democrática.
O documento, que foi enviado ao ministro da Guerra, protestava contra a falta de recursos para o Exército e contra a proposta do governo de dobrar o valor do salário mínimo, apresentada pelo ministro do Trabalho, João Goulart.
O episódio levou à substituição do ministro do Exército pelo general Zenóbio.
Em maio seguinte, a Cruzada Democrática venceu novamente as eleições do Clube Militar, agora com uma chapa encabeçada pelos generais Canrobert e Juarez Távora.
A perda de apoio militar do governo precipitou-se quando, na madrugada de 5 de agosto de 1954, o jornalista e candidato a deputado federal pela UDN Carlos Lacerda sofreu um atentado, no qual morreu o major-aviador Rubens Vaz, integrante de um grupo de oficiais da Aeronáutica que lhe dava proteção durante a campanha eleitoral.
Sem confiar na ação da polícia, a Aeronáutica instaurou um IPM na Base Aérea do Galeão para investigar o episódio.
Pelo poder de que desfrutou, esse IMP ficou conhecido como "República do Galeão".
Diante dos indícios de envolvimento da guarda pessoal de Getúlio no atentado, oficiais da Aeronáutica passaram a exigir a deposição do presidente, numa pressão crescente.No dia 23, o almirantado aderiu à causa da Aeronáutica, e 37 dos 80 generais do Exército que exerciam funções de comando no Rio de Janeiro assinaram um memorial a favor da renúncia de Vargas.
Sem apoio efetivo na área militar, Vargas suicidou-se na madrugada de 24.
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_gv/htm/3E_ele_voltou/Os_militares_e_o_segundo_governo_Vargas.asp